domingo, 23 de janeiro de 2011


Gesso

Manuel Bandeira:

Esta minha estatuazinha de gesso, quando nova
O gesso muito branco, as linhas muito puras
Mal sugeria imagem de vida
(Embora a figura chorasse).
Há muitos anos tenho-a comigo.
O tempo envelheceu-a, carcomeu-a,
manchou-a de pátina amarelo-suja.
Os meus olhos, de tanto a olharem,
impregnaram-na da minha humanidade irônica e tísico.
Um dia mão estúpida inadivertidamente a derrubou e partiu.
Então ajoelhei com raiva, recolhi aqueles tristes fragmentos, recompus a figurinha que chorava.
E o tempo sobre as feridas escureceu ainda mais o sujo mordente da pátina...
Hoje esse gessozinho comercial
É tocante e vive, e me fez agora refletir
Que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu.

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